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Acrobacia aérea é perigosa e não serve para nada

Eu caminhava pelo impecável gramado do Aeroclube de Itápolis em direção ao restaurante. Era dia de festa na cidade. Ali acontecia uma das edições do Itápolis Airshow, um concorrido evento aéreo que já se tornou tradicional na agenda da aviação nacional. Foi há uns três anos. O Bola, exímio piloto acrobata de planadores e uma das atrações da festa, estava à sombra de uma árvore fumando um Marlboro. Eu ia em sua direção enquanto tirava meu maço do bolso para acompanhá-lo na atividade fumegante.

Eu havia acabado de pousar um Cessna 152 Aerobat. Foi meu segundo voo acrobático do dia. O outro foi em um Super Decathlon. Já havia, naquele momento, outro piloto efetuando sua apresentação. Tivemos acrobacias o dia todo. Havia bastante público. Não havia pandemia.

No Cessna, fiz um looping a uns 100 pés de altura fechando minha apresentação. Antes fiz diversas outras manobras, como tunôs, chandeles, hammerheads e oito cubano. A sequência toda começou com uma volta de parafuso a uns 1500 pés de altura.

Já próximo ao Bola, quando eu tirava um cigarro do bolso para acendê-lo, chegou um senhor de aproximadamente uns 60 anos. “Achei espetacular”, disse animado. Logo ele explicou, para mim e para o Bola, que ele tinha uma preferência especial por acrobacias clássicas, as únicas possíveis no pequeno Cessna Aerobat.

A princípio não dei muita atenção ao senhor que falava apaixonadamente das diversas apresentações que ele já assistiu ao longo da vida. Cumpri a educação protocolar. Agradeci pelos elogios e disse algo banal, finalizando o assunto. Fiz algum comentário sobre o dia estar bonito e de termos, naquele dia, um “céu de brigadeiro”. Ele comentou sobre o voo por mais algum tempo e logo foi embora. “Show aéreo é isso”, exclamou Bola, que além de ser um piloto de belas manobras, é um entusiasta emocionado pelas acrobacias. “Você deveria ficar feliz com aquele comentário do cara, você tocou no sentimento dele”, afirmou.

Bola continuou inspirado, especulando todas as possibilidades de sequências acrobáticas harmoniosas que poderiam ser executadas no Aerobat. O Cessna possui uma certa semelhança com o planador. Por ter pouca potência de motor, apenas 115 HP, o voo acrobático nele não é contínuo. Tem hora para acabar. Em cada manobra você perde um pouco de altura. Nivelar, subir e iniciar novamente acabaria com todo o charme. Uma apresentação no Aerobat, se não começar bastante alto, é de pouca duração.

“Já está bom, mas acho que dá para melhorar”, afirmou Bola, animado. Entretanto, assim como eu não havia dado muita atenção para o senhor que veio falar do voo, também não dei muita atenção para o Bola. Logo ele começou a demonstrar irritação. O Bola é mais velho na vida, na aviação e no show aéreo. Ele esperava que eu estivesse ávido por ideias.

Enquanto eu abria uma lata de cerveja de fim de show aéreo, o Bola continuava falando sobre acrobacias: loopings, tunôs, parafusos e sequências estavam em seu repertório de assuntos. Ele também contava suas memórias saudosistas sobre shows aéreos do passado, no Rio Grande do Sul, sua origem. Olhando para o público enquanto ele falava, me abstraí. Comecei a pensar nos diversos tipos de eventos que reúnem pessoas, comparando-os. Tenho um certo hábito noturno de frequentar bares e tenho alguns amigos músicos. Alguns deles tocam samba.

São, obviamente, dois tipos distintos de eventos. Mas há algumas diferenças gritantes. Nas apresentações com o Super Decathlon, por exemplo, geralmente inicio minha apresentação no raso, a 200 milhas por hora. Logo depois puxo 5 gs para a vertical, faço meio quarto de roll, continuo na vertical, até o avião quase parar. É quando puxo e faço um humpty bump positivo. Quando na vertical novamente, de frente para o chão, faço um quarto de roll no sentido oposto, e encaro novamente o chão, de frente. Nesta posição inicio uma puxada, até sair lambendo, no eixo da pista, no sentido contrário.

Se estoura uma corda do violão de alguns dos músicos do samba, não acontece nada. Eles interrompem a música, trocam de violão, começam a música novamente e o show continua. Entretanto, se estoura um cabo de comando do Cessna ou do Decathlon, tudo vira um espetáculo de som, luz e calor.

Se trava uma caixa de som do samba, eles param a música, verificam a caixa, regulam, e recomeçam. Se travar um comando, a 300 pés de altura, olhando o chão, de frente, eu vou para o beleléu. Se algum amigo da banda erra uma nota, não acontece nada. Apenas um ou outro, mais apurado no ouvido, percebe, mas o show segue, sem muitos prejuízos. Se eu cometer um erro em uma manobra, terei que arrumar um jeito de explicar o que fiz de errado para São Pedro, enquanto sou recepcionado no céu.

No show de samba sempre há um monte de mulheres solteiras bonitas, bem arrumadas, perfumadas, balançando gracionsamente seus esqueletos e olhando para os músicos tocarem. Logo depois do fim do show, elas estão, geralmente, curiosas para saber se vai ter mais música em algum after party mais privativo. Por outro lado, em um show aéreo, juntam, sem exceções, apenas senhores fãs de aviação, famílias com mulheres comprometidas acompanhando seus maridos, e crianças segurando aviõezinhos nas mãos, correndo para um lado e para outro.

“Você deveria ficar feliz com aquele comentário do cara. Você tocou no sentimento dele”, insistiu novamente Bola, cutucando para trazer minha atenção de volta. “Isso que é a beleza do show aéreo”, concluiu.

“Acrobacia aérea é perigosa e não serve para nada”, respondi de bate-pronto. “Você é insuportável”, esbravejou Bola, gesticulando com as mãos, como um velho italiano.

Filipe Rafaeli é piloto de acrobacias aéreas.

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